Um bate-papo com a Dra. Norma Braga sobre a “indiferença” em nossos dias

Posted on março 25, 2012

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Chamo de bate-papo e não de entrevista por ter surgido informalmente, a partir de um post no facebook. Uma citação levou a um comentário, que levou a uma pergunta, e percebemos que o material estava pronto. Assim, nada melhor do que publicar organizadamente. É minha primeira vez postando algo do facebook aqui no blog. Sempre é o caminho inverso. Mas o bom é perceber a interação das mídias para veicular bom conteúdo e glorificar a Deus.

Norma Braga é doutora em literatura francesa, tradutora, blogueira, casada com André Venâncio, amiga e companheira de estudos no Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper. Está lançando, muito em breve, um livro pelas Edições Vida Nova.

Vamos ao que interessa.

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BJC • Reflexões sobre a Indiferença, por Gilles Lipovetsky:

“A oposição entre o sentido e a ausência de sentido já não é dilacerante e perde seu radicalismo diante da frivolidade ou futilidade da moda, dos lazeres, da publicidade. Na era do espetacular, as antinomias duras, o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o real e o ilusório, o sentido e o não-sentido esmaecem, os antagonismos se tornam ‘flutuantes’ e começamos a compreender, sem ofender nossos metafísicos e antimetafísicos, que hoje em dia é possível viver sem finalidade e sentido, em sequências instantâneas, e isto é uma novidade”.

(A era do vazio, p.21)

Alguma resposta/proposta cristã?

Norma Braga • Minha proposta: mostrar que há uma associação estreita entre a citação anterior e esta, ou seja, entre a falta de amor que torna os casais separáveis por bobagem e a perda da noção da continuidade. O amor pede continuidade (profundidade, intimidade, cotidiano). De forma mais geral, o conhecimento verdadeiro pede continuidade, conhecimento tanto objetivo quanto subjetivo: o outro precisa fazer sentido, e só fará se houver esse compromisso com o todo. “Viver em sequências instantâneas”, portanto, é a definição do anticonhecimento, logo, da oposição ao amor.

Nossa época é trágica: nunca se falou tanto de amor e nunca se luta tanto contra o que o amor é e significa.  A indiferença é o oposto do amor. A indiferença é a repetição sem sentido e sem direção; o amor pede a repetição ordenada, apreciável, experimentada.

Norma Braga no Congresso Vida Nova

Tudo em nós é feito para repetir com sentido. Nosso corpo (que não é um aglomerado de mecanismos aleatórios), para começar. O ato de conhecimento. E os afetos. E no céu, quando diremos “Santo, Santo, Santo é o Senhor” sem nos cansar, em uma adoração (amor!) infinita.

BJC • Que elementos estariam na raiz dessa configuração da indiferença contemporânea? (assumindo que a leitura de Lipovetsky seja correta)

NB • Acredito que no grandes movimentos recentes da mente ocidental. O homem de fato acreditou que somente a razão daria conta do mal e criaria a sociedade perfeita. Jogou todas as suas cartas nisso. Quando não deu certo, e sem Deus diante de si, restou-lhe somente buscar negar o problema do mal, manipulando as formas (a linguagem, a beleza). Acabe-se com as antinomias (que “esmaecem”), e o mal some do horizonte. Sem o mal, só resta a indiferença. Nada mais do que reclamar, nada mais com que se indignar.

O pós-modernismo é a consequência lógica do racionalismo. Ainda há muitos racionalistas, mas a tendência é descobrir-se cada vez mais que a ciência não é um deus, e substituir esse ídolo por outros que negam o mal. Negam, mascaram, relativizam etc.

BJC • E a questão final: como a igreja e os cristãos podem lidar com o problema da indiferença nos homens de nosso tempo?

NB • A bandeira do amor e da pessoalidade ainda está de pé. Se evitarmos as armadilhas tanto do racionalismo quanto do pós-modernismo, poderemos comunicar a verdade que é Cristo, sem solapar-lhe a pessoalidade, e poderemos reassumir o discurso das antinomias por não considerar as duas pontas como opostos absolutos; se apresentarmos o mal como um problema também pessoal, solucionado em Cristo, sem esquecer as objetividades. Enfim, quanto menos formos engolidos pela cultura dualista, mais saberemos lidar com isso, sem erigir um muro entre os conceitos e o amor pessoal.

Dito de outra forma: hoje, as pessoas buscam combater a indiferença pessoal com a indiferença conceitual, ou seja, acreditam que de fato é mais humano considerar que a verdade não existe e que todos a possuem de alguma forma. Se soubermos afirmar que a indiferença conceitual apenas gerará, no limite, uma indiferença também pessoal, poderemos afirmar a singularidade da fé cristã em consonância com o amor: o amor verdadeiro, em que o mal jamais pode ser relativizado.

Posted in: a Caneta