Livros BJC: O meu próprio romance (Graça Aranha)

Posted on abril 9, 2012

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ARANHA, Graça. O meu próprio romance. 4. ed. São Luís: Alumar, 1996. 110p.

Graça Aranha é um dos orgulhos do Maranhão. Nasceu em SanLu no dia 21 de Junho de 1868 e faleceu no Rio de Janeiro em 26 de Janeiro de 1931. Formou-se em Direito, foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (cadeira 38), e exerceu cargos diplomáticos com Joaquim Nabuco. Alguns de seus textos são bastante conhecidos, como o romance Canaã (1902).

Esta obra é especial por se tratar de uma autobiografia, e de ser o último material escrito por Graça Aranha. Tão último que ficou incompleto – o autor faleceu antes de concluir o projeto.

O material, embora sucinto e incompleto, ajuda-nos a compreender um pouco mais do autor, além de nos oferecer figuras da São Luís antiga. Graça Aranha fala de sua caminhada no conhecimento e sua rejeição das religiões:

A unidade de minha vida está no espírito de libertação, que animou o meu ser moral desde a infância até a velhice. Aos doze anos libertei-me da idéia religiosa. […] Libertei-me de todo o terror. Se na aparência fiquei circunscrito ao círculo moral contemporâneo, foi por uma atitude pragmática, nunca por uma subordinação convencida. (p.29)

A honestidade das declarações é impressionante. Nesta mesma descrição de sua trajetória intelecto-espiritual, atenta para o espírito de negação como algo importante: “Aos doze anos neguei Deus, aos quatorze neguei o Direito Natural, aos quinze neguei o princípio monárquico e o direito à escravidão. Dos dezesseis em diante acrescentei às minhas negações a libertação estética. (p.30)”. Este desejo de libertação e negação forjaram uma perspectiva própria que promoveu o Graça Aranha que conhecemos. É triste que o crescimento intelectual seja associado a esse princípio de “libertação e negação”. C. S. Lewis, por exemplo, descobriria que não há tensão entre uma intelectualidade rigorosa e a submissão a Deus.

As lembranças da infância do autor são retratadas com beleza, como a cena em que descreve as brincadeiras entre garotos e garotas.

Uma vez no quintal, todo o senso da realidade se eclipsava. Passávamos ao plano da fantasia e nos transmudávamos em persnagens das nossas comédias infantis. Os meninos eram cavaleiros montados em carneiros, ou em tabocas, fogosos corcéis. Tínhamos pajens que naturalmente eram os moleques. As meninas eram princesas, ornadas de trpadeiras de São Caetano, cujas flores amarelas ou frutas vermelhas se dependuravam por entre as folhas verdes. Vivíamos em campos diferentes e vínhamos fazer as nossas visitas às meninas princesas, montados em nossos ginetes. Uma vez reunidos, improvisávamos danças, jogos, torneios, em que nos esfalfávamos de fadiga e calor. Era à noitinha, quando as criadas vinham cessar os jogos, dos quais nos arrancávamos transfigurados, renitentes a voltar à realidade cotidiana. (p. 51)

Graça Aranha fala de como foi educado na sensibilidade e criatividade por uma mulata, a Velha Militina, que lhe contava histórias à noite. A influência paterna também é descrita, com a tipografia, o jornal O País, e o impacto disto em sua formação. Aos dez anos, ele já ajudava o pai com o maquinário. Sabino, uma espécie de seu criado cafuzo, também contribubiu para a sua formação, além de ser um grande companheiro.

Perceber a educação do período também desperta a atenção. Aranha começou a estudar as humanidades aos oito anos, abandonando o colégio para estudar Português e Latim, com lições preparadas por seu pai, e posteriormente por professores particulares. Dois anos depois, foi para o Inglês e o Francês. E aqui ele manifesta sua veia literária – “foi no estudo de Francês que talvez se mostraram os primeiros sinais do meu temperamento literário” (p. 56). As leituras o tocavam tão profundamente, que era tomado pela emoção e caía em prantos, especialmente na leitura de Chateaubriand. Estudou filosofia com padres.

O autor apresenta tradições maranhenses, como o bumba-meu-boi, desde aquele período. Fala do que hoje é conhecido como “centro histórico”, mas no período era apenas a região em que morava. Menciona a Rua da Estrela, o Largo dos Remédios, a Praia Grande, o Rio Anil…

É impressionante perceber na obra os relacionamentos e o clima intelectual do Maranhão à época. Aranha fala de quando foi estudar em Recife, e viveu em república de maranhenses. Menciona nomes não apenas de companheiros, mas de intelectuais e escritores que nos fazem lembrar do motivo de São Luís já ter sido chamada “Atenas brasileira”. Sotero dos Reis, Artur Azevedo, Aluísio Azevedo, Urbano Santos, Benedito Leite, Celso Magalhães, Gonçalves Dias – muitos dos quais ainda preciso conhecer.

A experiência em Recife foi marcante, especialmente com o conhecimento de Tobias Barreto – “Nunca mais me separei intelectualmente de Tobias Barreto” (p.100).

Finalmente, para quem deseja perceber um pouco mais de como a cosmovisão regional, história de vida e outros elementos influenciam a cosmovisão pessoal, esta obra, ainda que não intencionalmente, é de grande contribuição.

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Posted in: a Caneta