Voto de silêncio

Posted on agosto 23, 2012

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Igreja não é “curral eleitoral”. Quem pensa a comunidade dos santos como exclusivamente um grupo de votos desonra o povo de Deus, e, principalmente, o próprio Deus. Por isso, o ambiente eclesiástico precisa ser guardado de exposições desnecessárias à política partidária. Líderes de igrejas precisam ser excessivamente zelosos sobre seu envolvimento com a política e suas declarações a respeito de candidatos e partidos.

Até aqui acredito que a maioria concorda, e consigo até ouvir algumas pessoas batendo palmas para as declarações acima – cansadas de exemplos ruins do envolvimento da igreja com a política. Mas isso resume toda a questão? Tais declarações dão conta de toda a complexidade do fenômeno? Quando olhamos com um pouco mais de cuidado, entendo que as frases de efeito perdem seu impacto e nosso simplismo é desafiado.

Hoje o que rola nas redes sociais são manifestações contra o envolvimento da igreja com a política, e contra pastores indicarem apoio a candidatos. A rede fale, ligada à ABU, movimenta uma campanha chamada “contra o voto de cajado”, em uma alusão ao “voto de cabresto”, e nessa linha caminham outras pessoas.

Deveríamos concordar com estas declarações e com tal postura? Para caminharmos um pouco mais, entendo ser importante investigar o que pode estar por trás do movimento (não que seja algo único, mas me refiro à reivindicação comum de separação entre a igreja e a política).

O tom de ressentimento nas reivindicações parece demonstrar uma reação a situações ruins nas quais pastores, líderes e igrejas apoiaram candidatos ou se envolveram com a política de alguma outra maneira. Candidatos oportunistas se aproveitam de igrejas, pastores fazem conchavos e acordos financeiros com candidatos, cristãos e pessoas são usadas como instrumentos de campanha, e uma série de outras tragédias podem ser contadas na história das eleições em nosso país. A falta de esclarecimento por parte de muitos cristãos contribui para que se tornem peões no jogo político. E assim, nossos heróis gritam alto atrás das telas do notebook, nos seus perfis em redes sociais, e suas campanhas de sites.

Quanto a este aspecto, é importante reconhecer que existem picaretas na liderança de igrejas, e por isso é preciso cautela ao considerar qualquer envolvimento entre o meio eclesiástico e a política partidária.

Mas não é porque facas são usadas para assassinar pessoas que o mundo sai protestando contra o uso delas, correto? Pelo contrário, se alguém tivesse coragem para tanto, muitas outras vozes se levantariam para demonstrar os benefícios desse instrumento. Acredito que lógica semelhante se aplica ao caso em discussão. Ao buscarmos a extinção do relacionamento entre igreja e política (ou o silêncio), estamos privando a igreja e a política de vários elementos positivos – e, por que não?, necessários.

Uma das possibilidades nesse contexto, é que a mentalidade dos cristãos anti-envolvimento político seja um tanto limitada quanto à submissão de todas as esferas da vida ao Senhor Jesus. Outra possibilidade é a de uma compreensão limitada da ação pastoral. E ainda é possível considerar uma espécie de ingenuidade quanto à “neutralidade” da esfera política.

Talvez um caso concreto ajude a tornar o ponto mais claro. Quando a escolha se dá entre políticos perceptivelmente corruptos e outros moralmente aprovados, o pastor e a igreja devem ficar em silêncio?

Quando a eleição se dá entre partidos contrários a fé cristã e outros que lidam com ela adequadamente, o pastor e a igreja deveriam ficar calados?

Quando não se trata de escolher entre um criminoso e um bom político, mas mediante reflexão e investigação honesta há convicção de que um caminho é melhor, é requerido silêncio de todos?

Quando pessoas decidem se envolver com a política, os pastores e líderes não podem orientá-la sobre partidos, envolvimentos e caminhos a serem seguidos?

Estes exemplos podem ajudar a demonstrar que o envolvimento com a política pode ser algo positivo. Obviamente, nem sempre é. Obviamente, é necessário cautela, e um senso de obediência a Deus na prática pastoral. Mas de modo algum silenciar as igrejas e os pastores será mais benéfico.

Outro elemento importante neste processo parece ser o lugar escolhido para o tratamento das questões políticas. Ao que parece, os barulhentos dos nossos dias entendem que sempre o púlpito será usado para favorecer um candidato, quando existem vários outros lugares e momentos para tais discussões. Entendo que, no exercício de uma função profética, mesmo o púlpito pode ser utilizado, embora a agenda das Escrituras é que deva direcionar as mensagens. Mas reuniões para discussões sobre tais assuntos, encontros para orar pela cidade e pelo país, e outras oportunidades podem ser utilizadas para se tratar a questão. O envolvimento da igreja com a política não significa trocar a pregação do evangelho pela propaganda política, nem os hinos de adoração pelos jingles de candidatos (ridículos, por sinal).

Muito da participação pastoral na discussão de temas e de políticos pode ser o exercício da função de conselheiro e orientador de pessoas em dúvidas e crises. Alguns canalhas usarão isso para o mal, mas o pastor pode utilizar isso de maneira benéfica. Esquivar-se de dar esse tipo de orientação pode ser um ato de covardia e demonstração de falta de amor por parte de muitos pastores.

Finalmente, entendo haver outro elemento também preocupante por trás do movimento, a saber, uma concepção bastante individualista do processo de decisão política. Não se nega que a escolha seja individual, e que cada pessoa é responsável por seu voto. Mas daí a excluir um processo comunitário de reflexão, oração, e investigação de temas e pessoas é uma distância maior. Esse individualismo pode ser bastante prejudicial, à medida em que faz os cristãos se perceberem isolados (se são no processo político, por que não serão em outras áreas?).

Deste modo, eu questiono a movimentação atual das redes sociais, da rede fale, e dos nossos esclarecidos. Reconheço que existem casos reais de mal uso do envolvimento, e temo que mais pastores e igrejas repitam este fracasso. Mas caminhar para o extremo do “voto de silêncio” pode produzir outro mal tão grande quanto os que conhecemos: o mal de pastores, líderes e igrejas que se fecharam em si, e agora estão completamente alheios à esfera política, que foi entregue a satanás.

Que Deus nos livre disso.

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