Interações com a entrevista de Rob Bell a Veja [3]

Posted on dezembro 3, 2012

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O Voltemos ao Evangelho também publicou algo com vários posts relacionados à entrevista do Rob Bell. Vale a pena dar uma conferida.

Preciso encerrar essas interações. Qualquer conversa tem de ser encerrada, nem que seja uma suspensão temporária para um reencontro posterior. E ninguém aguenta um bate-papo em que apenas uma pessoa fala, né? Por isso, embora a entrevista dê muito pano pra manga, pretendo comentar apenas mais dois aspectos:

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3. Uma interpretação questionável do cenário cristão

Em determinada altura da entrevista, Bell faz uma avaliação do panorama cristão. Obviamente, pela natureza do momento, não utiliza um rigor acadêmico nem descreve processos detalhados, mas não deixa de lançar percepções que podem direcionar nossa compreensão dos movimentos da igreja contemporânea. Uma leitura errada pode promover respostas erradas, então é importante avaliar o ponto. Bell diz:

Mais do que nunca, acredito que está havendo uma mudança radical no cristianismo. Algo equivalente a uma nova reforma. Estive na Irlanda do Norte, na África do Sul, na Nova Zelândia, nas Bahamas, e em todos os lugares encontrei líderes religiosos fazendo as mesmas perguntas e enfrentando os mesmos problemas.

Adiante, continua:

É impressionante o número de líderes religiosos que estão percebendo a dificuldade das pessoas em se identificar com a pregação atual. A mensagem não está chegando ao coração das pessoas. Em muitos lugares, converso com religiosos que me dizem, sempre baixinho e discretamente, que entendem o que estou dizendo, acham que estou no caminho certo, mas não podem falar isso publicamente sob pena de perderem o emprego. […] Tenho esse tipo de conversa a toda hora. Por isso, vejo que estamos passando por uma mudança profunda. Sem exagero, eu diria que é revolucionário.

Sem pretensões acadêmicas, repita-se, Bell está fazendo uma avaliação com uma espécie de projeção para o cristianismo. Em sua percepção, movimentos contemporâneos dentro da igreja desenvolvem uma espécie de nova reforma, que partilha das mesmas angústias, pensamentos e características de Rob – algumas das quais já avaliadas em tópicos anteriores. Essa seria uma tendência internacional e crescente, e, se interpreto corretamente, Bell observa isso não sem esperança (veja a empolgação em declarar a coisa como revolucionária).

https://i0.wp.com/s3.media.squarespace.com/production/301946/6460085/explore/images/2007/11/05/rob_bell.jpgSejamos justos aqui: pela natureza da entrevista, Bell não está interessado em descrever a totalidade do que acontece no universo cristão. Não podemos cobrar isso dele. Mas é importante “temperar” a sua avaliação com outras observações a respeito da dinâmica protestante.

Isso é necessário porque um leitor desavisado pode tomar tais declarações como descrição de tudo o que acontece no cristianismo. Poderíamos pensar que o grande movimento na igreja cristã do século 21 é a adoção do pensamento pós-moderno e suas implicações, e a partir disto poderíamos celebrar a era de uma “igreja diferente” ou reagir entrincheirados contra tal perspectiva. Graças a Deus não precisamos adotar nenhuma das duas posturas. Existe algo mais no panorama cristão.

Em 2006, por exemplo, o Dr. Valdeci Santos escreveu um artigo publicado no periódico Fides Reformata, cujo título é “Quem é realmente reformado? Relembrando conceitos básicos da Reforma“. Em sua descrição, apontava para uma tendência, revelada pela Christianity Today, de fortalecimento e crescimento do calvinismo entre os jovens norte-americanos. Com o perdão da citação longa:

A conhecida revista americana Christianity Today trouxe, como artigo de capa em sua edição de setembro de 2006, uma reportagem sobre o ressurgimento do interesse pela teologia reformada nos Estados Unidos. Segundo o articulista, esse fenômeno tem atingido especialmente os jovens que “rejeitam o evangelicalismo genérico e propagam os benefícios de um conhecimento mais profundo da doutrina bíblica”. Para surpresa de muitos, esse interesse da juventude pelo calvinismo é maior do que pelo Movimento da Igreja Emergente (cuja proposta dirige-se especialmente à sua faixa etária). É verdade que a “‘conversação emergente’ recebe muita atenção da mídia, mas o novo movimento reformado parece ser um fenômeno mais abrangente e profundo”. O fato é que, devido a esse recente acontecimento, alguns pastores têm mudado
de opinião no que diz respeito ao trabalho com a mocidade. Segundo Joshua Harris, “a expectativa de muitos é que o adolescente não consegue digerir verdades doutrinárias ou que elas são repulsivas para eles, mas a experiência tem provado exatamente o contrário”. Esses fatores certamente poderão produzir uma mudança dramática de paradigmas quanto ao ministério com jovens. Somente o tempo revelará o que este novo apelo da fé reformada poderá causar nas igrejas e na cultura. (Santos, Quem é realmente reformado?, p.121-2)

Santos ainda descreve que a dinâmica não atinge apenas os Estados Unidos da América, mas fala do crescimento de conferências reformadas na Escócia, literatura reformada na Albânia, muito dinamismo em Zâmbia, além do impacto da teologia reformada na Coréia do Sul e no Japão. Em seu relato, vale a pena destacar o crescimento de encontros da fé reformada no Brasil. À época já havia bastantes conferências, mas em 2012 a coisa é ainda maior.

Eu ainda acrescentaria o desenvolvimento do mercado editorial de linha reformada no Brasil. Não apenas as clássicas editoras reformadas (Fiel, Cultura Cristã e PES, além de algo da Vida Nova) estão crescendo em seus projetos editoriais e catálogos – destaco aqui o crescimento da Fiel e Vida Nova, que melhoraram a estética de seus livros e aumentaram assustadoramente seu catálogo! -, mas a publicação de autores reformados por outras editoras e o surgimento de editoras menores voltadas para divulgar materiais desta tradição (Tempo de Colheita, Interferência, Knox Publicações, Monergismo Publicações, entre outras).

O Dr. Augustus Nicodemus Lopes já expressou em vários lugares sua percepção do crescimento do pensamento reformado entre os pentecostais, e isto fica explícito em seu livro “O que estão fazendo com a igreja”:

[…] existem já no Brasil várias igrejas pentecostais-reformadas, pequenas, é verdade, ainda nascentes. Mas, mesmo não sendo pentecostal, profetizo que esse movimento pode crescer muito no Brasil. […] Quem sabe os pentecostais não estejam predestinados a avançar bastante a teologia da Reforma no Brasil? (Lopes, O que estão fazendo com a igreja, p.179)

Com rigor acadêmico o historiador Britânico Phillip Jenkinsn faz projeção, ao declarar que “no futuro previsível, […] a corrente dominante do cristianismo mundial emergente será tradicionalista, ortodoxa e voltada para o sobrenatural”. (Jenkins, A próxima cristandade, p. 25). Vale lembrar que  o catolicismo também está sendo considerado pelo historiador.

Finalmente, a revista TIME, em 12 de Março de 2009, descreveu 10 ideias que estavam (e ainda estão) mudando o mundo. Dentre elas, para surpresa de alguns, estava o que foi chamado de “Novo Calvinismo” – o resgate da tradição reformada com um ar mais “descolado”, sob inspiração de nomes solidificados como John Piper, D. A. Carson, C. J. Mahaney e Tim Keller, mas diretamente encabeçado por líderes mais jovens, como Mark Driscoll, Matt Carter, Darrin Patrick e Matt Chandler. A inserção deste movimento – e não da igreja emergente – na revista, revela o peso desta dinâmica na cultura norte-americana.

O interessante aqui é que o crescimento da tradição reformada parece bem mais vigoroso do que a proposta de Bell.

Não podemos ser ingênuos e achar que isso resume a questão. Rob de fato descreveu a percepção de algo que está vendo. E a tendência é que, à medida que igrejas e líderes assimilam cosmovisões pós-modernas, aproximem-se de Bell e seus pares.

Mas paralelo ao crescimento de “igrejas pós-modernas” está o resgate mais intenso da tradição reformada, invadindo não apenas as igrejas históricas, mas alcançando pentecostais e outros grupos.

Novamente, este não é todo o quadro. Especialmente no Brasil, percebemos pelos dados do IBGE outro movimento no cristianismo: o surgimento (e crescimento) dos “desigrejados”/”evangélicos não praticantes”. O crescimento deste grupo deve ser alvo de nossa atenção.

Assim, a visão de Bell não descreve completamente o panorama do cristianismo contemporâneo – nem era sua pretensão. Mas perceber a dinâmica da ortodoxia crescente em nossos dias deve nos dar esperança e disposição para o serviço.

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