Filho, não fuja da morte
Filho, hoje fui ao funeral de um senhor querido. Se vocês tivessem se conhecido, eu o apresentaria como um tipo de avô para você. Ele não é exatamente seu avô, mas cuidou bastante de mim na infância. O nome dele é Paulo, e ele é o pai dos seus tios Paulo, Saulo e Pablo.
Na minha infância, o Sr. Paulo e a sua quase-avó Cristina eram os melhores amigos dos seus avós Afonso e Iris. E eu era praticamente irmão de Paulo, Saulo e Pablo.
Todos os domingos eu ia para a casa deles, e brincávamos bastante até a hora de ir para a igreja. O sr. Paulo era um homem bastante animado, especialmente após o encontro de casais com Cristo, quando descobriu sua paixão musical, e passou a tocar o atabaque. Ele cantava alto e marcava o ritmo das canções empolgadamente.
Mas desde ontem nós vimos um homem em silêncio. No caixão estava o corpo do Sr. Paulo, inerte. Estranha e terrivelmente silencioso.
A morte não é algo natural, filho. Nós fomos criados para desfrutar da vida. Mas o nosso pecado causou esse grande símbolo de ruptura. A morte espiritual é a desintegração do nosso relacionamento com Deus, e a morte física é a desintegração do nosso corpo – a separação entre corpo e alma. A vida que animava nossas ações não está mais ali.
Não posso mentir, filho, a morte é feia e dolorosa. Agora mesmo o seu pai sente um incômodo aperto no peito. E eu não tinha mais um contato tão próximo com o Sr. Paulo. Cristina e seus filhos devem estar sentido um aperto muito maior. Também por eles é a minha dor. A morte nos choca e escandaliza, nos confunde e desanima.
Mas não fuja da morte.
As pessoas dos nossos dias fogem de todo mal-estar. Eu mesmo sou assim. Alguns chamam a nossa época de “terapêutica”, porque o valor fundamental é esse bem-estar. Quando essa é a nossa preocupação final, tendemos a afastar aquilo que nos incomoda, tendo pouco ou nenhum contato com as coisas ruins, difíceis e dolorosas da vida. Isso faz com que casamentos durem pouco tempo em nossos dias, faz com que os jovens não perseverem em situações difíceis na faculdade ou no serviço, e fez com que afastássemos a morte do nosso horizonte.
Se a morte choca por não ser natural, nós pioramos a situação por fugir dela. As pessoas da nossa época evitam pensar e falar sobre a morte. Os velórios, antes realizados nas casas, agora têm seus espaços oficiais. E os mortos são enterrados longe da família. Talvez isso fosse inevitável com o desenvolvimento das cidades, mas o fato é que serviu bem aos propósitos de fugir da morte.
Nossas canções antigas falavam da preparação para a morte e da expectativa do porvir. São muitos os hinos nos quais você encontrará referências à morte. Jamais abandone tais hinos. As músicas atuais estão preocupadas demais em descrever sensações e caminhar para o prazer, sem considerar a realidade do sofrimento no mundo.
Não é preciso fazer muito para fugir da morte hoje em dia. Na verdade, não é preciso fazer nada: basta viver conforme o curso comum da sociedade, e você terá evitado todas as questões difíceis, exceto quando algo acontecer a você.
Mas não fuja. Pelo contrário, dedique seu coração a encontrar a alegria que somente Deus proporciona, mas também a pensar e se preparar para a realidade mais difícil da nossa caminhada: a separação que a morte realiza.
Seria esse um exercício masoquista, uma penitência? De maneira nenhuma. O valor aqui não está em meramente sofrer, mas em ter um coração preparado para não perder a esperança na hora do sofrimento.
Por difícil e doloroso que seja, pense sobre a morte. Considere quão limitados são os nossos dias, e quão pequenos somos nós. Sinta a nossa fragilidade e tenha a convicção de que não temos nenhum poder sobre nossa existência.
Isso vai tirar o seu fôlego. Mas também vai te dar nova perspectiva.
Sim, porque a agonia da morte deve ser vencida com a esperança do evangelho. A morte é dolorosa e difícil, mas foi vencida na cruz. Outro Paulo, o apóstolo, pergunta: “Onde está, ó morte, a sua vitória? Onde está, ó morte, o seu aguilhão?” (1Co.15.55). E ele mesmo responde: “Mas graças a Deus, que nos dá a vitória por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co.15.57). Embora a morte seja assustadora, ela não tem a palavra final sobre nós. A morte foi vencida na cruz de Cristo, e isso traz nova luz sobre o fenômeno.
A morte que traz desintegração também é uma vocação, um chamado do nosso Deus para O encontrar. Ela é resultado do pecado, mas o seu poder foi vencido pelo Redentor, de maneira que eu e você podemos até responder como o apóstolo Paulo, que desejava logo partir para estar com Cristo (cf. Fp.1.23,24).
Veja como as coisas mudam: o fato de não fugirmos de olhar a dor nos olhos vai limpando a nossa visão, até enxergarmos e sentirmos a graça de Deus nos guiando em meio ao sofrimento. Haverá dor, mas também esperança.
Por isso filho, não fuja das questões difíceis. Não fuja da morte. A esperança do evangelho nos dá nova perspectiva.
O corpo do Sr. Paulo fazia um silêncio terrível. Mas a realidade por trás é que agora ele está diante de Deus em celebração. Toda a alegria experimentada aqui, apenas em sombras, é agora desfrutada na incomparável presença de Deus.
Existe uma verdade que ainda coroa esta percepção. Você deve lembrar de estudarmos o Credo apostólico (se não lembra, essa é uma boa hora para visitar a minha biblioteca e começar a estudar o Credo). Lá no fim da declaração nós temos uma belíssima linha:
Creio no Espírito Santo;
na santa Igreja universal;
na comunhão dos santos;
na remissão dos pecados;
na ressurreição do corpo
e na vida eterna. Amém
Você entende o significado disso, filho? Dentre os vários aspectos, repousa o fato de que Deus nos quer por inteiro diante de Sua face. Assim, não seremos apenas almas etéreas vagando num espaço cósmico, mas o nosso corpo será ressuscitado e reunido a nossa alma! Por causa da cruz de Cristo, toda a desintegração presente no mundo será desfeita. O corpo inerte voltará à vida!
O dia hoje foi de olhar a morte nos olhos. E chorar. Curiosamente, a tradição cristã nos diz que foi isso o que aconteceu há dois mil anos, pois hoje é a sexta-feira santa. Os discípulos de Jesus viram o seu Senhor crucificado e morto. O Céu irrompeu em terrível cinza, e o lamento se fez ouvir por Jerusalém. Os discípulos ficaram confusos e amedrontados. Mas aguarde três dias e você verá novo brilho no olhar. Jesus ressuscitou, e a Sua ressurreição é o testemunho de Sua vitória, bem como a garantia da ressurreição dos Seus filhos. A confusão e dor dá lugar à esperança.
Não fuja da morte, e você encontrará a esperança. Por causa de Jesus, o Sr. Paulo não é um passado, mas um presente pleno.
Giuliano Ferreira da Silva
março 26, 2016
Sábias Palavras, Allen!!! Daquelas que penetram na alma e causam impacto na mente. Paulo era um homem Valoroso!!!!