Aparentemente o meu último texto gerou algum tipo de reflexão. Isso é bom. Contudo, aquela pequena constatação não teve, nem de longe, a pretensão de ser exaustiva ou completa, como nenhum de meus textos pretende ser. Não possuo a capacidade de exaurir um assunto, apenas pontuo questões e destaco elementos para aprofundar a reflexão sobre determinadas temáticas. O fato é que algumas pessoas responderam aos pensamentos ali registrados de modo bastante previsível, e contra uma dessas reações – talvez a mais comum – eu escrevo agora.
Um filósofo nascido no século XVIII, chamado Schopenhauer, escreveu um livro apontando algumas falácias na argumentação, e demonstrando como nos preocupamos tanto em vencer um debate, que muitas vezes utilizamos estratégias desonestas para isto. Em sua descrição dos estratagemas estava aquele que foi chamado de “rótulo odioso”. Trata-se de rotular de antemão o argumento ou o pensamento de alguém, para conferir-lhe descrédito e vencer a questão não pela verdade, mas por suscitar sentimentos ruins contra o oponente.
Um modo rápido de eliminar, ou, ao menos, de tornar suspeita uma afirmação do adversário é reduzi-la a uma categoria geralmente detestada, ainda que a relação seja pouco rigorosa e tão só de vaga semelhança. Por exemplo: “Isso é maniqueísmo”, “É arianismo”, “É pelagianismo”, “É idealismo”, “É panteísmo”, “É brownianismo”, “É naturalismo”, “É ateísmo”, “É racionalismo”, “É espiritualismo”, “É misticismo”, etc. Com isto, fazemos duas suposições: 1) que aquela afirmação é efetivamente idêntica a essa categoria, ou, ao menos, está comprometida nela e estamos dizendo: “Ah, isto nós já sabemos!”; e 2) que esta categoria já está de todo refutada e não pode conter nenhuma palavra verdadeira. (SCHOPENHAUER, 1997, p. 174)
Acredito que fui vítima desse estratagema. Algumas pessoas, em vez de considerarem seriamente a questão, simplesmente esconderam-se atrás da frase: “Isso é machismo!”. Pois bem, seria interessante observarmos por que isso não é machismo, na esperança de que alguns considerem o assunto como ele deve ser observado.
Consultei ao dicionário Aurélio (1999, p. 1248), e busquei o significado de alguns termos:
Machismo: Atitude ou comportamento de quem não aceita a igualdade de direitos para o homem e a mulher, sendo contrário, pois, ao feminismo.
Machista: relativo ao, ou que é adepto do machismo.
Em nenhum momento a questão girou em torno de direitos do homem ou da mulher. Observem que o ministério pastoral não é uma questão de direitos, mas de vocação. Os direitos de homens e mulheres são os mesmos, mas os papéis são exercidos de modos distintos. Muitos são os teólogos que reconhecem este ponto. Cito dois:
A diferença de funções não implica em diferença de valor ou em inferioridade de um em relação ao outro. (…) O homem foi feito como cabeça da mulher – esse princípio implica em diferente papel funcional do homem, que é o de liderar. Não implica que o homem é superior à mulher, em qualquer sentido. (LOPES, 1997, p. 6)
Há um paradoxo no relato da criação. Enquanto Gênesis 1 ensina que Deus criou homem e mulher à Sua imagem igualmente, Gênesis 2 acrescenta que Ele fez o homem como o cabeça e a mulher como ajudadora. Este desenrolar é muito significativo. (ORTLUND JR., 1996, p. 36)
Desta forma, o ponto não é sobre a igualdade existente entre homem e mulher. A Bíblia reconhece e ensina isto. Portanto, o machismo deve ser visto como deturpação do ensinamento Bíblico, e deve ser rejeitado com a mesma ênfase que o feminismo.
Demonstrado que o machismo não é correto, e que a ordenação feminina não está relacionada ao machismo, devemos ainda observar, ainda que rápida e superficialmente, o fundamento da oposição ao exercício do ministério pastoral por parte de mulheres.
Para o propósito deste artigo, que não pretende ser por demais extenso, quero me deter em apenas um texto bíblico – 1 Tm. 2.12-14: “E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio. Porque, primeiro, foi formado Adão, depois, Eva. E Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão”.
Rápidas considerações:
1.O apóstolo não permite que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem. A proibição para o ensino não é absoluta, visto que em 1 Coríntios Paulo reconhece e permite que mulheres profetizem utilizando o véu (símbolo da submissão), ou recomenda em Tito que as mulheres mais velhas instruam (Tt.2.4). O fim da frase nos ajuda a compreender o início. O ensino que Paulo tem em mente é aquele no qual a mulher exerce a autoridade dada por Deus ao homem.
O ensinar que Paulo proíbe é aquele em que a mulher assume uma posição de autoridade eclesiástica sobre o homem. Isso é evidente do fato que Paulo fundamenta seu ensino nas diferenças com que homem e mulher foram criados (v.13), e pela frase “autoridade sobre o homem” (v.12b). Um equivalente moderno seria a ordenação como ministro da Palavra, para pregar a Palavra de Deus numa igreja local. (LOPES, 1997, p.50)
2.A base do argumento de Paulo está em dois pontos:
2.1 Adão foi formado antes de Eva. Segundo o apóstolo, há uma razão para Adão ter sido criado antes de Eva, e a implicação disto é que o homem tem autoridade sobre a mulher. Na visão de Paulo, a autoridade do homem sobre a mulher não permite que ela exerça determinadas funções, que foram destinadas para homens.
2.2 Eva pecou antes de Adão. Paulo não está culpando Eva do pecado do mundo, mas está constatando que ela pecou antes de Adão, e ele faz relação entre este fato e a impossibilidade do exercício da autoridade de homem pela mulher. Segundo o apóstolo, o pecado da mulher é uma das razões para que ela não exerça autoridade de homem.
É interessante observar que Paulo também não utilizou argumentos machistas. O seu discurso de modo algum apela para uma diferença de direitos entre homens e mulheres, mas apenas para a distinção de funções, por razões plausíveis.
Aliás, por falar em “razões plausíveis”, é importante destacarmos que Paulo nem pensou em sua cultura para argumentar. Muitos são os que afirmam ser esta uma questão cultural, e que hoje, como estamos em época diferente, e numa cultura diferente, seria permitida a ordenação feminina. Não é isto o que vemos no discurso do apóstolo. Nada cultural, o seu fundamento está na ordem da criação e da queda.
REFERÊNCIAS:
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa.3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
LOPES, Augustus Nicodemus. Ordenação de mulheres: Que diz o Novo Testamento?. São Paulo: PES, 1997.
ORTLUND JR., Raymond C. Igualdade masculino-feminina e liderança masculina. In: PIPER, John e GRUDEM, Wayne. Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade. São José dos Campos: Fiel, 1996.
SCHOPENHAUER, Arthur. Como vencer um debate sem precisar ter razão: em 38 estratagemas: (dialética erística). Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
lindoberg
junho 14, 2007
Allen,
ótimo post, parabéns pela sobriedade em tuas colocações!
interessante o posicionamento de Schopenhauer, apesar de já ter lido algo parecido em Nicolau Maquiavel, o argumento dele é bastante válido (e atual).
PS. até hoje estou esperando tu me ligar para comermos aquela pizza! (algo que você prometeu durante o EPL)!!! rsrs
Allen Porto
junho 16, 2007
Cara,
Eu me lembrei lá em Fortaleza, mas foi tudo tão corrido que eu não pude te ligar…
perdão, brother!
Mas a nossa pizza ainda vai rolar!
abraço
:) SDG
lindoberg
junho 16, 2007
“Mas a nossa pizza ainda vai rolar!”
Eu Creio!! rsrs
Tereza Miguel
fevereiro 25, 2009
Quem é machista não consegue perceber que é machista.
Por isso, você não percebe.
A Bíblia é machista, pois foi escrita por machistas.
Deus foi criado pelos homens, por isso é um deus masculino.
Se Deus existisse, seria Deusa, seria uma entidade feminina.
A propósito, a humanidade começa na mulher e não no homem, pois a mulher carrega suas sementes (óvulos) desde o ventre de sua própria mãe, enquanto as sementes do homem (espermatozóides) produzidas mais tarde, ficam por, no máximo, três meses em seu corpo.
Portanto, o contato do ser pai com o ser filho é de no máximo três meses também. E parece que o amor do pai, talvez até por isso, é cultural, é aprendido, enquanto o amor da mãe é visceral, é amor de fato.
O contato da mãe com seus descendentes é sempre.
O óvulo é a primeira semente e o espermatozóide, a segunda. As duas sementes juntas formam o zigoto. A partir daí, a gestação é toda da mulher, a mãe.
Fazendo as contas, a participação da mulher na “produção” de seus descendentes é de 75%. O homem participa com 25%.
Reafirmando o óbvio, a mulher já nasce mãe. O homem nasce apenas homem porque não tem ovários nem útero.
Mas, como tem mais força física e, com ela, mais capacidade de violência, subjugou a mulher. E criou a sociedade machista que ainda sobrevive.
É preciso que a humanidade supere o machismo e transite pelo feminismo para chegar ao humanismo como sinônimo de igualdade entre todos os seres humanos, mulheres e homens.
E a Bíblia, como qualquer livro machista, um dia será lida com outros olhos. Os olhos imparciais e distanciados da História.
Cordialmente,
Tereza Miguel.
Simone
março 2, 2009
Machismo sim! Odioso, cruel e incoerente com a nossa atual realidade.
Vocês são uns tolos que procurarm justificar seu machismo recalcado atrás de versículos antigos e ultrapassados…
Agora vão me dizer que a Palavara de Deus é imutável e eterna, correto? Ok, então digam para os chineses: “Crescei e multiplicai-vos…” Percebem o qão estúpido é reforçar algo que além de antigo é culturamente incopatível conosco???
Coerência e sensatez são essenciais.
Lindalva Cordeiro Lopes
janeiro 30, 2014
Observe bem e tente ser um pouco racional, quando eu estabeleço regras do que alguém pode ou não fazer em virtude de uma característica física, dando sempre a supremacia ao grupo masculino a função de liderar, estar à frente, ser mais reverenciado, ser o principal e o outro, ser feminino, o ajudador, o auxiliar, é lógico que eu estou afirmando com as atitudes que o grupo que pelo sexo, só por isso, possui essas reverências e regalias, é superior, e isso é machismo. Não adianta tapar o sol com a peneira e dizer que não é, utilizar versículos bíblicos de uma realidade cultural de mais de 2000 anos atrás, isolados por sinal, também não é honesto. Vou traçar um paralelo para que o senhor compreenda o meu ponto de vista, se eu dissesse a um homem negro que ele não pode fazer algo simplesmente pela sua cor da pele, eu não estaria sendo racista? Claro, alguém diria o que a pigmentação da pele vai influir para que alguém seja um bom médico, por exemplo. Então, como dizer que não é machismo, impedir alguém de comandar uma Igreja, ou ter o mesmo poder de decisão em um casamento, só por que ela possui útero, ovários e vagina, e não, testículos, próstata e pênis. Todos somos seres humanos, com cérebro, inteligência, dignidade. Por exemplo, se estivesse enfartando e chegasse uma socorrista, não diria com certeza: – Não quero que ela me atenda, pois não é do sexo masculino. Aceitaria o socorro, independente do sexo da pessoa que o está atendendo. Do mesmo jeito quando precisa preencher sua alma com a palavra de Deus, não vai observar o sexo de quem está pregando. Mude suas concepções e não faça acepção de pessoas pelo sexo, pois magoa muito quem sofre o preconceito e a discriminação. Fique na paz de Jesus e assuma seu machismo.
allenporto
maio 28, 2014
Olá Lindalva, o seu texto está tão cheio de premissas não provadas, que se faz necessário discuti-las antes mesmo de oferecer qualquer resposta, se é que há resposta para ser oferecida, diante de tais pressupostos. Vejamos:
Você parece partir do pressuposto de que há pouca ou nenhuma racionalidade em meu texto. Acredito que esta é uma pressuposição injusta. O material escrito lida com a questão, buscando identificar o que é o machismo, e responder porque a proposta bíblica não é machista.
Você parte do pressuposto de que ser auxiliador é ser inferior, e que ser o líder significa ser reverenciado. Isto é reducionismo grosseiro, e não lida com a realidade. Em muitos aspectos é o líder quem sofre humilhação, e o auxiliador é protegido. Além disso, Deus usa para Si o termo auxiliador na Escritura, e Jesus foi submisso ao Pai sem nenhum prejuízo de Sua identidade. Você está respondendo a imagens falsas da realidade. Responde a caricaturas.
Você parte do pressuposto de que os textos bíblicos são ultrapassados, porque atendiam a uma realidade cultural de mais de 2000 anos atrás. Isso pode significar algo mais profundo, como a ausência de uma compreensão maior dos princípios de interpretação bíblica. Pelo menos duas coisas estão em jogo: 1) Você não crê na atualidade da Bíblia. Se este for o caso, então você realmente não entenderá ou aceitará o meu ponto; 2) Você não possui os recursos para uma interpretação saudável da Bíblia – pelo menos neste aspecto -, e assim viverá no dilema entre o que é cultural e o que se aplica hoje, sem critérios adequados para definir tal questão. Demonstrei, no texto, que o argumento bíblico não gira em torno da cultura, mas de princípios teológicos. Ou você não entendeu, ou ignorou deliberadamente o ponto. Precisa lidar com ele antes de simplesmente afirmar o contrário.
Você parte do pressuposto de que o racismo é a mesma coisa que a restrição bíblica à ordenação feminina. Mas você simplesmente afirma o ponto, sem discuti-lo. Escrevi que a diretriz bíblica não se dá por ser o homem melhor, ou por ser “simplesmente homem”; mas pela vontade de Deus, que atribuiu vocações distintas na igreja, família e sociedade.
Você parte do pressuposto que a única maneira de uma mulher servir ou ministrar a Escritura a alguém é sendo ordenada. Isto é muito, muito falho.
Deste modo, nem assumo o meu machismo, nem considero a sua crítica pertinente. Trabalhe estas premissas primeiramente, e então sua crítica terá um sentido mais inteligível.
Abraço
Lindalva Cordeiro Lopes
julho 10, 2014
Olá Allen, você se contradiz, pois afirma que o pensamento de Paulo não tem conotação cultural, pois bem, as mulheres hoje não usam véu nas igrejas, exceto na Igreja Congregação Cristã, então pelo seu raciocínio vocês deveriam escrever esses textos batendo os pés exigindo o véu, ou então, pelo menos sua mulher você deveria exigir que ela usasse o véu, mesmo que seja para orar em casa. Está vendo, como vocês usam dois pesos e duas medidas. Além do mais, se for para seguir tudo o que a bíblia ensina, dizendo que não existe fator cultural, então o que me diz do texto seguinte: “Quando alguém tiver um filho obstinado e rebelde, que não obedecer ao seu pai e à voz de sua mãe, e, castigando-o eles, lhes não der ouvidos, então, seu pai e sua mãe e não os escuta quando o disciplinam o pai e a mãe o levaram aos lideres da sua comunidade, à porta do seu lugar, e dirão aos anciãos da cidade: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz, é um comilão e beberrão. Então, todos os homens da sua cidade o apedrejarão com pedras, até que morra; e tirarás o mal do meio de ti, para que todo o Israel o ouça e tema. (Dt 21:18-21).” Então, se formos seguirmos o pensamento de vocês teríamos que sair matando adolescentes rebeldes dizendo que somos respaldados pela bíblia. Por isso essas interpretações literais principalmente quando envolve a posição da mulher, que sempre a coloca em segundo plano é puro machismo, sim. Claro, não é por mal, você foi educado assim, mas faça um exame de consciência, a cultura que permeia no meio evangélico tradicional é de colocar a mulher por baixo, em posição subalterna, como “culpada”. e muitos homens não percebem isso, e vêm com subterfúgios, mas no fundo é aquela velha tendência de colocar o homem num padrão de glórias, títulos, importância, e a mulher ocupando lugares mais escondidos, fazendo os piores trabalhos, ocultas, aquelas que devem receber agressões e se calar, porque são “merecedoras”, pois foi por elas que o pecado entrou no mundo. Espero que não se omita e me responda, pois todos que faço tais questionamentos se acovardam e não respondem, pois acho que não possuem argumentos. Um abraço.
Lindalva Cordeiro Lopes
julho 10, 2014
A mulher não deve exercer determinadas funções de autoridade, o homem deve ter autoridade sobre a mulher, e isso realmente acontece, vemos isso nas igrejas e na sociedade e é por isso que estamos vivendo o caos, todo tipo de subversão, agressão, violência, homens que agridem seus filhos e mulheres, tantos divórcios, homens de ternos de griffe nas igrejas, que se acham e só exploram os fiéis, que beleza de autoridade, hem!