KELLER, Timothy. Deuses falsos: eles prometem sexo, poder e dinheiro, mas é disso que você precisa? Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2010. 175 p.
Tim Keller é o plantador da Redeemer Presbyterian Church, em Manhattan, New York City. Aclamado por muitos como um notável pastor no contexto atual, e odiado por outros – considerado herege e disseminador de um falso evangelho -, Keller ocupa um lugar privilegiado em termos de visibilidade pelo impacto da Redeemer, dos New Calvinists (novos calvinistas, como prefiro chamar, embora alguns prefiram novos reformados), por sua participação no The Gospel Coalition (do qual está entre os fundadores, na companhia de Phil Ryken, John Piper, David Powlison, Kevin DeYoung, Bryan Chapell e Mark Dever), e por seus escritos – dentre os quais estão A fé na era do ceticismo (Ed. Campus), best-seller do New York Times, o Deus pródigo (Thomas Nelson Brasil), e o livro ora analisado, sem mencionar os que (ainda) não foram traduzidos para o português.
Keller deseja trabalhar a idolatria, e para isso destaca elementos fortes da cultura contemporânea, como o amor, o dinheiro, o sucesso e o poder, analisando-os em sua dinâmica no coração humano.
O modo de trabalhar o assunto é bastante propício e interessante. Sua investigação da idolatria vai além da abordagem clássica, em busca dos “ídolos do coração”. Expressões como “fábrica de ídolos”, utilizada na introdução, nos remetem a Calvino, e outras como “deuses funcionais” alinham Keller a estudiosos da questão, como David Powlison, Edward Welch e Elyse Fitzpatrick. Para ser honesto, a fundamentação de Keller é extensa demais para ser comentada de modo justo aqui. A bibliografia listada ao fim da obra revela a profundidade da pesquisa do autor, e as notas dos capítulos – que infelizmente são ao fim da obra(!) – demonstram muitas outras leituras realizadas.
A surpresa agradável na bibliografia Kelleriana é Bob Goudzwaard, autor da linha reformacional muito bem inserido no contexto das discussões políticas assinaladas por Keller. O Pr. Juan de Paula havia me informado que, dentre os novos calvinistas, Keller é o que parece dialogar mais com a filosofia reformacional, e esse bate-papo produz um ótimo resultado. Eu pude conferir.
Identificando a raiz da idolatria no coração humano, o autor pode traçar paralelos e compreender o espectro da história de modo mais amplo. É assim que ele afirma ser o problema da idolatria algo de todos os tempos e culturas.
Nossa sociedade atual não é fundamentalmente diferente dessas antigas culturas. Cada uma delas é dominada por seu próprio conjunto de ídolos. […] Podemos não ajoelhar fisicamente diante da estátua de Afrodite, mas muitas jovens de hoje são levadas a depressão e disfunções alimentares por uma preocupação obsessiva com a imagem. (p.11)
A análise de Keller é precisa e provocante. Mas isso não é tudo. Voltando a um elemento mais externo: percebem como o texto está bem escrito? Provavelmente alguém publicaria: “muitas jovens são levadas à depressão”, com crase. Mas por se tratar de uma depressão geral, o termo não é craseado. Este não é um item isolado da obra. O texto da tradução é bem estruturado, claro, e sem erros. Eu costumo marcar os erros de português ou de digitação que percebo nas obras – não precisei marcar praticamente nada neste livro. Mais um ponto para a Thomas Nelson Brasil. Acho que a capa da obra não comunicou muita coisa, mas a fonte foi bem escolhida e tudo se torna bem visível. (Também gostei demais da fonte utilizada em todo o texto – Minion).
Voltemos ao conteúdo. Keller deixa claro que qualquer elemento pode se tornar um ídolo. Em sua definição, um falso deus é “qualquer coisa que seja mais importante do que Deus para você, qualquer coisa que absorva seu coração e imaginação mais que Deus, qualquer coisa que só Deus pode dar”. (p.15). Ele é equilibrado em sua descrição, pois destaca que normalmente os ídolos são coisas boas que foram transformadas em algo supremo. Assim ele não rejeita o valor do amor, do dinheiro, etc. Keller fala de ídolos pessoais, culturais e intelectuais, descrevendo a amplitude do assunto, e os círculos concêntricos de idolatria.
“A realização de seu desejo mais profundo pode acabar se revelando a pior coisa que já lhe aconteceu”, alerta o autor (p.24). Especialmente quando este desejo revela um desvio da segurança, identidade e sentido em Deus. A obra inteira se faz mais interessante pela abordagem do tema a partir dos eventos bíblicos. Keller começa descrevendo a história de Abraão e o dilema do sacrifício de seu filho. Parte desta realidade, destacando o impacto cultural da “necessidade” de um filho, e os desdobramentos da perda de um no contexto de Abraão, para falar da idolatria contemporânea. As aplicações do autor são bem pontuadas, e no fim de cada capítulo está um gran finale que aponta para Jesus e o evangelho de modo magistral.
Você nunca será tão forte, tão seguro em Deus e tão corajoso quanto Abraão simplesmente tentando com todas as forças, mas apenas crendo no Salvador para o qual esse evento aponta. (p.36)
Ao analisar o amor como ídolo presente, Keller apresenta o amor romântico, cantado nas músicas pop, e fala de situações reais de pessoas que começam a olhar para outras “em busca do tipo de afirmação e aceitação profundas que apenas Deus pode dar” (p.40). A história bíblica agora mencionada é a de Jacó. Keller destaca a cegueira de Jacó, as expectativas de Lia, e a postura de Raquel, identificando falsos deuses em cada personagem.
Nós nos voltamos para o sexo e o romance para que nos devolvam a transcendência e o senso de significado que costumávamos extrair da fé em Deus. (p.43)

Tim Keller
Sua abordagem interage com o cinema, mencionando obras como “Ele não está tão a fim de você”. Finalmente, ele demonstra como a rejeitada Lia foi transformada por Deus, e pôde se tornar a que daria continuidade à linhagem do Messias. Fiquei com a pergunta sobre Jacó, mas a resposta veio depois.
Existe uma libertação em perceber o amor adequadamente, demonstra Keller: “Paramos de transformar outras pessoas nossos salvadores, porque já temos um Salvador” (p.56).
O dinheiro também é avaliado. E aqui Keller fala com muita propriedade por ter percebido os efeitos da crise econômica recente nos Estados Unidos. Ele menciona suicídios e outros males devastadores que atingiram quem pôs sua confiança última nas finanças. A figura bíblica analisada é Zaqueu, e sua redenção é descrita com beleza.
Para Jesus, a ganância não é apenas o amor pelo dinheiro, mas também a ansiedade excessiva por causa dele. (p.65)
Keller demonstra como Zaqueu, após encontrar transformação em Jesus, foi além do necessário para a restituição, devolvendo quatro vezes mais aos que havia roubado. A mudança do coração o fez encontrar descanso em Jesus.
“O dinheiro deixará de ser a unidade monetária do significado e da segurança, e você desejará abençoar outras pessoas com o que tem” (p.73). O contraste com Zaqueu se faz na figura do Cristo pobre (2Co.8.9), o Sustentador dos que nEle crêem.
Neste capítulo Keller apresenta categorias para uma análise mais equilibrada e profunda da idolatria humana. Ele fala de “ídolos de superfície” e “ídolos ocultos”.
Com frequência somos superficiais na análise das estruturas de nossos ídolos. Por exemplo, o dinheiro pode ser um ídolo de superfície que serve para satisfazer impulsos mais fundamentais. Algumas pessoas querem muito dinheiro a fim de controlar seu mundo e sua vida. Tais pessoas normalmente não gastam muito e vivem de forma modesta. Mantêm o dinheiro bem guardado e investido, para que possam se sentir completamente seguras no mundo. Outras querem dinheiro para ter acesso a certos círculos sociais e se tornarem belas e atraentes. Essas pessoas gastam dinheiro consigo mesmas abundantemente. Outras ainda querem dinheiro porque ele dá mais poder sobre os outros. Em todos os casos, o dinheiro funciona como um ídolo, e ainda assim, por causa dos diversos ídolos ocultos, resultam em padrões de comportamento muito diferentes. (p.71)
Quanto ao sucesso, Keller destaca como a visão que temos de nós mesmos é distorcida, e como a autoconfiança é ancorada sobre o fato de estarmos “no topo do campo escolhido” continuamente (p.80). Aqui ele critica a cultura de competição na qual estamos inseridos, e apresenta a história de Naamã. A simplicidade do método de Deus humilhou e promoveu cura.
Se você quer a graça de Deus, tudo de que você precisa é precisar, tudo o que você precisa é fazer nada. (p.89)
Outro elemento importante é apresentado a esta altura. Conforme o autor, “o ídolo do sucesso não pode ser simplesmente expulso; tem de ser substituído” (p.92). Esta noção será posteriormente reafirmada. Os falsos deuses não podem ser apenas abandonados. Eles precisam ser substituídos pelo verdadeiro Deus, sob pena de a idolatria continuar “alojada” no coração.
Keller discute a questão do poder e da política no capítulo cinco. Aqui está o maior diálogo com os reformacionais. Ele menciona Al Wolters e Bob Goudzwaard, comentando suas noções de idolatria e poder. Ele é bem sucedido em demonstrar como ideologias políticas podem tomar o lugar de Deus no coração humano. Demonstra como o comunismo fez isso, e como outro extremo traz os mesmos perigos.
No marxismo, o Estado poderoso se torna o salvador e os capitalistas são demonizados. No pensamento econômico conservador, o livre mercado e a competição resolverão nossos problemas, e, portanto, os esquerdistas e o governo são os obstáculos para uma sociedade feliz. (p.102)
Ele acerta em cheio ao afirmar que “em qualquer cultura na qual Deus está ausente, o sexo, o dinheiro e a política preencherão o vazio de diferentes pessoas”(p.102).
A história bíblica utilizada para derrubar este ídolo é a do rei Nabucodonosor. Após a ação de Deus, o rei percebeu quem era o Rei, e foi transformado. Do mesmo modo, Keller cita a cena da transformação de Eustáquio “nA viagem do Peregrino da Alvorada”, de C. S. Lewis. A transformação é operada por Deus para que os desejosos de poder descansem no poder divino.
O deísmo moralista e terapêutico, apresentado pelo sociólogo Christian Smith, e destacado também por Michael Horton no “Cristianismo sem Cristo” também é levantado e discernido com sabedoria neste capítulo.
Jesus não é apenas um exemplo, porém, mas o Salvador. (p.115)
No penúltimo capítulos o autor descreve outros deuses não destacados anteriormente, afirmando a realidade dos deuses culturais e seu impacto sobre nossa vida. Fala sobre os deuses em nossa cultura e em nossa religião, e usa a história de Jonas para demonstrar a transformação divina.
Finalmente, Keller retoma a história de Jacó no último capítulo, para falar da substituição dos falsos deuses pelo Deus verdadeiro. Nessa linha desenvolve o epílogo e conclui a obra.
Confesso que em alguns momentos me perguntei se a interpretação dos eventos bíblicos estava sendo forçada para dar a idéia que ele desejava demonstrar, mas na maioria das vezes me senti muito à vontade com sua leitura e aplicação das Escrituras ao contexto contemporâneo. Acredito que esta obra é muito importante para os cristãos do nosso tempo, e para os líderes que desejam identificar e refutar os falsos deuses, além de servir e ajudar seus liderados enganados.
Leia textos de Tim Keller traduzidos para o português no site iPródigo.
abril 20th, 2012 → 11:56 pm
[…] destaque, a essa altura, a semelhança entre a proposta de Tim Keller na obra “Falsos deuses” e a de Street. Este nomeia o “princípio da substituição”: “a mudança […]